Pular para o conteúdo

AÇÃO DO PASEP: SE VOCÊ COMEÇOU TRABALHAR ANTES DE 1988, VEJA ESTE VÍDEO / TEMA 1150 DO STJ

Processo nº 1010207-37.2020.8.11.0041

SENTENÇA

Trata-se de ação de reparação de danos materiais ajuizada por XXX em desfavor do Banco do Brasil S.A., todos devidamente qualificados nos autos, visando a condenação do réu ao pagamento dos valores desfalcados – má gestão, saques indevidos e/ou de não aplicação dos índices de juros e de correção monetária na conta do PASEP – referente ao programa PIS/PASEP, no montante de R$ 17.254,39 (dezessete mil duzentos e cinquenta e quatro reais e trinta e nove centavos).

Comprovado o pagamento das custas judiciais, a decisão inicial de Id. 31912960 determinou a citação do réu.

Contestação apresentada pelo réu junto ao Id. 43124598, oportunidade em que  impugnou a concessão da justiça gratuita, arguiu preliminar de ilegitimidade passiva, incompetência do Juízo, além de prescrição. No mérito, refutou a prova contábil apresentada pelo autor, alegando que os cálculos ignoram os índices previamente estabelecidos na legislação pertinente. Sustenta, que o saldo médio nas contas individuais seria irrisório, existindo, assim, interpretação equivocada pela autora. Por fim, invocou a inaplicabilidade do CDC e a impossibilidade de inversão do ônus da prova. Pugna pela improcedência do pedido.

Impugnação à contestação (Id. 43743347).

Decisão de suspensão do feito até o julgamento do IRDR 71 (Id. 68833647).

Após o julgamento do Tema 1.150 pelo STJ, foi proferida decisão saneadora, rejeitando a impugnação, preliminares e prejudicial de mérito invocadas na peça de defesa e determinando a produção da prova pericial (Id. 139220183).

Homologação dos honorários periciais (Id. 152093780).

Laudo pericial juntado no Id. 164579885.

Intimados, ambas as partes manifestaram sobre o Laudo (Ids. 166331673 e 164813693).

Intimado, o perita judicial prestou esclarecimentos (Id. 168462739), tendo o réu apresentado discordância (Id. 170286630), enquanto o autor quedou-se silente.

É o relatório. 

Decido. 

Trata-se de ação de reparação de danos materiais ajuizada por XXX em desfavor do Banco do Brasil S.A.

De início, destaco que estão presentes nos autos elementos suficientes que permitem a formação do convencimento do juiz, conforme regra do art. 370, do CPC.

Dito isso, e considerando que este processo integra a Meta 02 do CNJ, passo ao julgamento de mérito.

O autor busca ser indenizado pelos danos materiais que alega ter suportado, tendo em vista que os valores subtraídos e/ou não repassados para a conta individual por ocasião mudança na destinação do fundo PASEP, ocorrido com a promulgação da Constituição Federal de 1988.

O réu, por sua vez, afirma que os cálculos apresentados pelo autor ignoram os índices de correção previamente fixados pela legislação vigente, indicando fator de correção monetária do OTN, IPC, BTN, INPC, IPCA e UFIR desde 18.08.1988 (em detrimento pelos legalmente previstos: IPC, BTN, TR, TJPL) bem como juros de mora, também a partir da referida data, em que pese estes não serem aplicáveis ao fator de correção do fundo PASEP.

Pois bem. Como cediço, o PASEP (Programa de Formação de Patrimônio do Servidor Público) foi instituído em 1970, pela Lei Complementar n. 08/70, com o objetivo de entregar aos servidores públicos benefícios semelhantes aos que eram concedidos aos trabalhadores da iniciativa privada pelo Programa de Integração Social – PIS.

Não obstante, a Lei Complementar n. 26/75 unificou o Programa de Integração Social (PIS) e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP) e dispôs sobre o modo de remuneração das contas individuais. Confira:

“Art. 1º – A partir do exercício financeiro a iniciar-se em 1º de julho de 1976, serão unificados, sob a denominação de PIS- PASEP, os fundos constituídos com os recursos do Programa de Integração Social ( PIS) e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público ( PASEP), instituídos pelas Leis Complementares nºs 7 e 8, de 7 de setembro e de 3 de dezembro de 1970, respectivamente.

 Parágrafo único – A unificação de que trata este artigo não afetará os saldos das contas individuais existentes em 30 de junho de 1976.”

“Art. 3º – Após a unificação determinada no art. 1º, as contas individuais dos participantes passarão a ser creditadas: a) pela correção monetária anual do saldo credor, obedecidos os índices aplicáveis às Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN); b) pelos juros mínimos de 3% (três por cento) calculados anualmente sobre o saldo credor corrigido; c) pelo resultado líquido adicional das operações realizadas com recursos do PIS- PASEP, deduzidas as despesas administrativas e as provisões de reserva cuja constituição seja indispensável.”

“Art. 4º – As importâncias creditadas nas contas individuais dos participantes do PIS- PASEP são inalienáveis, impenhoráveis e, ressalvado o disposto nos parágrafos deste artigo, indisponíveis por seus titulares.”

Assim, a Constituição Federal de 1988, por meio do seu art. 239, alterou a destinação dos recursos provenientes das contribuições para o PIS- PASEP, os quais passaram a ser alocados ao Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, a fim de patrocinar os programas do abono salarial e do seguro-desemprego, mantendo-se os rendimentos dos valores depositados até então nas contas individuais.

Nesse diapasão, as contribuições do PASEP deixaram de ser vertidas ao fundo constituído em favor dos servidores públicos, todavia, as contribuições que foram arrecadadas entre 1971 e 1988 foram depositadas em forma de cotas nas contas dos participantes do Programa, passando a incidir juros e correções monetárias de acordo com os indexadores estipulados em lei.

Registro  que a gestão do Fundo PIS-PASEP encontra-se sob a responsabilidade do Conselho Diretor do Fundo PIS-PASEP, vinculado à Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda, nos termos do Decreto n. 1.608/95 e do Decreto n. 4.751/2003. É o Conselho Diretor que elabora o Plano de Contas do fundo, calcula as atualizações monetárias e juros sobre o saldo credor das contas individuais dos participantes, autoriza créditos nestas contas, e define as tarifas de remuneração da Caixa Econômica Federal (PIS) e do Banco do Brasil (PASEP).

Fixadas tais premissas, observo que o autor demonstrou que laborou em um período no qual os recursos do PASEP eram diretamente depositados em contas vinculadas aos servidores públicos.

Alega o autor que o saldo acumulado simplesmente desapareceu de sua conta individual do PASEP, motivo pelo qual teria o réu violado a própria Constituição Federal, por não ter preservado em conta os valores acumulados até a promulgação da Carta Magna.

Para comprovar suas alegações, o autor apresentou extratos e cálculos, indicando que o saldo existente naquela conta, atualizado, seria bem superior ao que lhe foi disponibilizado.

Desse modo, o cerne da questão está em saber se o saldo da conta do PASEP do autor teria sido objeto de má administração pelo réu, ocasionando, assim, dano patrimonial que demande reparação.

Na hipótese, a petição inicial foi instruída com cópias de documentos em microfilmagens e extratos emitidos pelo próprio banco réu, que indicam que o saldo havido na conta vinculada do autor em montante ínfimo, se levado em consideração que o promovente iniciou o labor perante a Administração Pública antes da Constituição Federal promulgada em 1988, com depósitos efetivos até o ano de 1988, além da atualização necessária do montante.

 Ademais, o banco réu limitou-se a juntar extratos de microfilmagens da conta do autor – que por este já tinha sido apresentado – não comprovando a exatidão dos valores existentes na conta vinculada, de modo que não logrou êxito em comprovar a inexistência de saques indevidos na conta vinculada em questão, bem ainda a correta atualização monetária do valor.

Outro não é o entendimento do e. TJMT, verbis:

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS – PASEP – ALEGAÇÃO DE SAQUES INDEVIDOS E MÁ-GESTÃO PELO BANCO ADMINISTRADOR – LEGITIMIDADE PASSIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA – COMPETÊNCIA – PRESCRIÇÃO DECENAL – TERMO INICIAL – CIÊNCIA DESFALQUES – TEMA 1150 – DIFERENÇA DE VALORES – ÔNUS DA PROVA – ART. 373, INC. II, DO CPC – DANOS MATERIAIS CARACTERIZADOS – VALOR DEVIDO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO.

O Superior Tribunal de Justiça em sede de repetitivo fixou as seguintes teses (TEMA 1.150):

 i) o Banco do Brasil possui legitimidade passiva ad causam para figurar no polo passivo de demanda na qual se discute eventual falha na prestação do serviço quanto a conta vinculada ao Pasep, saques indevidos e desfalques, além da ausência de aplicação dos rendimentos estabelecidas pelo Conselho Diretor do referido programa;

ii) a pretensão ao ressarcimento dos danos havidos em razão dos desfalques em conta individual vinculada ao Pasep se submete ao prazo prescricional decenal previsto pelo artigo 205 do Código Civil; e

iii) o termo inicial para a contagem do prazo prescricional é o dia em que o titular, comprovadamente, toma ciência dos desfalques realizados na conta individual vinculada ao Pasep.

Uma vez demonstrada a existência de divergência de valores na conta individual do PASEP da parte autora, cabe à instituição financeira fazer prova dos fatos impeditivos, extintivos ou modificativos do direito do autor(art. 373, inc. II, do CPC), ônus do qual não se desincumbiu.” (RAC n. 1057282-09.2019.8.11.0041, 3ª Câm. Dir. Priv., Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, j. 02.05.2024 – negritei).

À vista disso, não tendo o banco se desincumbido do seu ônus probatório e sequer impugnando especificamente a questão envolvendo a má prestação do serviço, deixando de acostar memória de cálculos e extrato da conta vinculada desde seu nascedouro, descumprindo o disposto no art. 341, do CPC, faz-se impositivo estabelecer o pagamento dos valores referentes a quantia efetivamente destinada à parte autora.

Ademais, os índices de atualização do saldo das contas individuais são determinados pelo Conselho Diretor do Fundo PIS/PASEP, por intermédio da edição de Resoluções anuais, estando os respectivos percentuais disponíveis na página da internet da Secretaria do Tesouro Nacional.

Nesse contexto, a atualização monetária das contas individuais segue estritamente o que determina a legislação, não podendo ser usado qualquer outro índice.

Não é demais ressaltar que, de acordo com as regras definidas pelo Conselho Diretor do Fundo, órgão competente para calcular a atualização monetária do saldo credor das contas individuais dos participantes, por meio de resoluções anuais, o índice indicado pelo autor, para justificar o que considera devido, coincide com os previstos em Lei, nos termos da alínea a do art. 3º da Lei Complementar n. 26/75 e do histórico da correção monetária.

Extrai-se dos autos que inicialmente não foi apurado nenhum saldo remanescente em favor do autor, uma vez que inexistia comando determinando o afastamento dos lançamentos a débitos realizados na conta do autor, ainda que não tenha sido comprovada autorização do titular da conta para tais lançamentos (Id. 164579885).

Contudo, uma vez excluídos os referidos saques, pois não houve comprovação de autorização explícita do autor para tais lançamentos, conforme impugnação apresentada por ele, foram elaborados novos cálculos e o perito judicial chegou à conclusão acerca da existência de saldo devedor no valor de R$ 1.298,10 (um mil duzentos e noventa e oito reais e dez centavos) – (Id. 168462739)..

Desse modo, a ausência de comprovação de autorização traz indícios de que tais retiradas foram realizadas sem o consentimento do titular da conta, constituindo possível má-fé ou erro de administração por parte do banco.

Como responsável pela gestão das contas do PASEP, o Banco do Brasil tem o dever de assegurar a movimentação adequada e legal dos valores depositados.

Sobre o assunto, a Lei Complementar nº 8/1970 impõe ao banco o compromisso de zelar pela integridade dos depósitos, aplicando corretamente os rendimentos e realizando saques apenas com autorização explícita. A não apresentação de comprovação sobre a autorização dos saques realizados sugere descumprimento dessas obrigações.

Na ausência de prova conclusiva quanto à legitimidade dos saques, opta-se pelo benefício ao autor, uma vez que cabe ao Banco do Brasil, como administrador da conta, o ônus da prova de sua correta atuação. Diante da insuficiência de comprovações apresentadas pelo banco, aplicar a opção que considera os saques como indevidos é a medida que melhor preserva o direito do autor e a segurança jurídica.

Logo, conclui-se que o montante do valor referente à PIS/PASEP atualizado e já deduzidos os valores pagos anualmente como remuneração, totalizam a quantia de R$ 1.298,10 (um mil duzentos e noventa e oito reais e dez centavos), valor este que deverá ser ressarcido pelo réu.

Essa escolha respeita o princípio da responsabilidade objetiva da instituição financeira sobre a movimentação das contas PASEP e protege o autor de prejuízos indevidos.

Por fim, necessário ressaltar que muito embora não haja adstrição do juiz ao laudo pericial (art. 479, CPC), é recomendável que ocorrendo divergência entre a perícia oficial e a irresignação da parte adversa, deva prevalecer aquela, por estar o expert subordinado à lei e devidamente compromissado, garantindo a imparcialidade necessária à prestação jurisdicional.

Outro não é o entendimento dos Tribunais pátrios, verbis:

“[…] havendo divergência entre o laudo apresentado pelo perito e o parecer do assistente técnico, o primeiro é que deve, em regra, prevalecer, dada a sua imparcialidade e o desinteresse no resultado da causa.” (TJSC, RAC n. 2003.025079-4, 3ª Câm. Dir. Público, Rel. Dra. Sônia Maria Schmitz, j. 25.10.2005 – negritei).

“[…] diante da divergência entre o perito judicial e o assistente técnico da autarquia, deve prevalecer o parecer daquele, na medida em que não possui vinculação com nenhuma das partes e goza da confiança do juízo. Precedentes desta Corte…”. (TRF-2ª R., RAC n. 2000.51.07.000594-0, 1ª Turma Esp., Rel. Des. Fed. Aluísio Gonçalves de Castro Mendes, j. 17.05.2006 – negritei).

Por último, a perícia foi efetuada pela contadoria judicial, de idoneidade e competência reconhecida pelo Juízo.

DISPOSITIVO

Posto isto, nos termos do artigo 487, I do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação de reparação de danos materiais ajuizada por XXX em desfavor do Banco do Brasil S.A., condenando o réu ao pagamento de R$ 1.298,10 (um mil duzentos e noventa e oito reais e dez centavos), acrescido de juros de acordo com a taxa legal (SELIC) a contar da citação, e correção monetária pelo IPCA, a contar do efetivo prejuízo, além das custas, despesas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação, na forma do art. 85, §2º, do CPC.

Com o trânsito em julgado, certifique-se, procedendo às anotações de estilo e intime-se o autor a dizer se tem interesse no cumprimento sentença na forma prevista na Lei, no prazo de 05 (cinco) dias.  

P.R.I. Cumpra-se.

 Cuiabá-MT, data registrada no sistema. 

Ana Paula da Veiga Carlota Miranda 

Juíza de Direito

***


Descubra mais sobre VS | PREVIDENCIÁRIO

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *