A “Revisão da Vida Toda” tem sido um dos temas mais debatidos no âmbito do direito previdenciário brasileiro, gerando expectativas e incertezas para milhares de segurados do INSS. A discussão central gira em torno da possibilidade de incluir no cálculo da aposentadoria os salários de contribuição anteriores a julho de 1994, o que, em muitos casos, resultaria em um benefício mais vantajoso. Recentemente, decisões importantes do Supremo Tribunal Federal (STF) trouxeram novos desdobramentos para essa questão.
O Caso em Análise: Recálculo da RMI e a Regra Mais Vantajosa
O caso em questão (Apelação/Remessa Necessária Nº 5024029-05.2019.4.02.5001/ES) ilustra perfeitamente o cerne da discussão. O aposentado autor da ação, buscou o recálculo de sua Renda Mensal Inicial (RMI) de aposentadoria por tempo de contribuição. Seu objetivo era que fossem considerados os 80% maiores salários de contribuição de todo o seu período contributivo, incluindo aqueles anteriores a julho de 1994. Ele argumentava que a aplicação da regra permanente, prevista no art. 29, I, da Lei nº 8.213/91, seria mais vantajosa do que a regra de transição do art. 3º da Lei nº 9.876/99, que limita o cálculo às contribuições a partir de julho de 1994.
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por sua vez, recorreu da sentença que havia julgado procedente o pedido do segurado. Entre suas alegações, o INSS mencionou a ausência de um sistema para a elaboração do cálculo da “Revisão da Vida Toda” e questionou a força normativa dos julgamentos dos Temas 999 do STJ e 1.102 do STF, que tratavam da legalidade e constitucionalidade da aplicação do direito pleiteado.
O Fim da Suspensão e a Decisão Final do STF
Inicialmente, o processo estava suspenso devido à determinação dos Temas 999 do STJ e 1.102 do STF. No entanto, um ponto crucial para a retomada dos julgamentos foi a decisão do Plenário do STF na Reclamação Constitucional 78265 (Rcl 78265 Agr).
Nessa decisão, o STF firmou o entendimento de que o julgamento de mérito das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 2.110/DF e 2.111/DF, em 2024, ocasionou a superação da tese do Tema 1.102. Isso significa que a questão da “Revisão da Vida Toda” foi definitivamente decidida, restabelecendo a compreensão manifestada desde o ano 2000. Com essa posição vinculante e com eficácia erga omnes (para todos), os processos sobre o tema da “revisão da vida toda” devem, finalmente, voltar a tramitar.
O Mérito da Questão: Constitucionalidade da Regra de Transição
Com a baixa da suspensão, o processo pôde, então, prosseguir para a análise do mérito. A controvérsia da “Revisão da Vida Toda” já havia sido abordada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Tema 999, que permitia a aplicação da regra definitiva do art. 29, I e II, da Lei 8.213/1991 quando mais favorável. Contudo, o INSS interpôs Recurso Extraordinário, levando a discussão para o STF, que afetou o caso ao Tema 1.102.
Em seu julgamento, o STF havia firmado a tese de que “o segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da Lei 9.876, de 26/11/1999, e antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela EC em 103/2019, que tornou a regra transitória definitiva, tem o direito de optar pela regra definitiva, acaso esta lhe seja mais favorável”.
No entanto, o julgamento conjunto das ADIs 2.110/DF e 2.111/DF em 2024 trouxe a decisão final. O STF declarou a constitucionalidade do art. 3º da Lei 9.876/1999, que estabelece a regra de transição. Essa decisão vincula todos os órgãos do Poder Judiciário, vedando a possibilidade de optar por incluir as contribuições anteriores a julho de 1994, mesmo que fossem mais favoráveis ao segurado.
A tese firmada foi clara: “A declaração de constitucionalidade do art. 3º da Lei 9.876/1999 impõe que o dispositivo legal seja observado de forma cogente pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela administração pública, em sua interpretação textual, que não permite exceção. O segurado do INSS que se enquadre no dispositivo não pode optar pela regra definitiva prevista no artigo 29, incisos I e II, da Lei nº 8.213/91, independentemente de lhe ser mais favorável”.
Modulação dos Efeitos e Irrepetibilidade de Valores
Apesar da decisão desfavorável à “Revisão da Vida Toda”, o STF, ao apreciar os embargos de declaração nas ADIs, modulou os efeitos do acórdão para resguardar alguns pontos importantes:
- Irrepetibilidade dos valores: Valores já recebidos pelos segurados em virtude de decisões judiciais, definitivas ou provisórias, prolatadas até 5 de abril de 2024 (data da publicação da ata de julgamento das ADIs) não precisarão ser devolvidos.
- Impossibilidade de cobrança de ônus sucumbenciais: Não será possível cobrar honorários sucumbenciais, custas e perícias contábeis dos autores que buscavam a revisão da vida toda em ações judiciais pendentes de conclusão até a referida data.
Conclusão do Julgamento e os Próximos Passos
Diante do exposto e em congruência com o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, a decisão judicial no caso em análise resultou na improcedência do pedido inicial e na reforma total da sentença que havia sido favorável ao segurado.
Com o trânsito em julgado, o processo será baixado e encaminhado à Vara de origem. Essa decisão final do STF encerra a discussão sobre a “Revisão da Vida Toda”, consolidando o entendimento pela constitucionalidade da regra de transição e pela impossibilidade de o segurado optar pela regra permanente para incluir contribuições anteriores a julho de 1994, mesmo que mais vantajosas.
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